Editorial

Autores

  • Mara Lisiane de Moraes dos Santos Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

DOI:

https://doi.org/10.18310/2358-8306.v3n5.p05

Resumo

São vários os desafios para manter a qualidade e a regularidade das publicações dos Cadernos de Saúde, Educação e Fisioterapia. Entre esses estão a manutenção do escopo da revista - contra-hegemônico em relação à maioria das publicações científicas da área-, e também o respeito à singularidade de cada artigo e edição do periódico.Assim, cada novo número publicado constitui-se como oferta de um espaço de articulação e divulgação de conhecimentos construídos na transversalidade da relação academia/produção de saúde. A ideia é que os materiais aqui publicizados estejam aportados em pressupostos metodológicos, temáticos e instrumentais sólidos, próprios da área da saúde e da educação. Paralelamente, com o entendimento de que a realidade é rica, complexa e polissêmica, reconhecemos também a importância do conhecimento que emerge a partir de vertentes e linhas que interroguem ou não se ajustem à produção de conhecimento instituído pela ciência hegemônica. A aposta é dar também visibilidade ao conhecimento produzido a partir das experiências vivenciadas no cotidiano dos serviços e nos espaços formadores da saúde. É nessa conexão de saberes que o cuidado em saúde e as práticas de formação ganham potência.Este número apresenta produções que colocam em análise temas desafiadores das práticas e do ensino em saúde. Abordarei os textos em três blocos, falando não sobre eles, mas dos deslocamentos que estes provocaram em meu corpo de educadora e profissional da saúde.Partirei de dois estudos que abordaram a dor e as incapacidades funcionais, entre eles um que busca a caracterização e investigação da qualidade de vida de frequentadores de uma academia ao ar livre, e outro que investiga o significado do acidente vascular encefálico (AVE) para as pessoas acometidas por esse agravo. A capacidade funcional e a limitação por aspectos físicos foram fatores de maior impacto na vida dos participantes dos estudos. Contudo, tais fatores não apresentam-se como restritivos para a realização de atividades físicas (no caso dos frequentadores da Academia Parque), nem como causadores de esmorecimento. Pelo contrário, nos participantes acometidos por AVE foram identificadas expectativas positivas de futuro. Para além dos resultados apresentados e discutidos pelos autores, os estudos remetem à reflexão acerca da capacidade de reinvenção de cada uma dessas pessoas, as quais tiram do centro a doença e as incapacidades, dando visibilidade ao que traz potência de vida a cada uma delas. O corpo frágil - como é entendido no conceito convencional, onde a fragilidade estaria associada à doença que impacta uma certa funcionalidade - não está em perspectiva. E sim o oposto: corpo é uma potência, onde a dor e as incapacidades “não excluem de todo a saúde na medida que são também afirmados como partes constituintes da vida em sua dinâmica fluida.”1 Tomando como referência Spinoza, o corpo sofre modulações conforme os afetos que lhe são produzidos em conexão com o meio, operando assim processos ininterruptos e infindos de subjetivação2.            Este número traz também dois artigos que colocam em análise a interlocução da Saúde Coletiva com a Fisioterapia. Um investiga a inserção da Saúde Coletiva nas práticas docentes de um curso de graduação em fisioterapia, e outro traz uma análise crítica da produção científica no Brasil concernente à Saúde Coletiva e à fisioterapia. Se, por um lado, encontrar dois artigos que abordem a Saúde Coletiva na fisioterapia provoca otimismo, por outro, os resultados apresentados e discutidos são inquietantes: ambos evidenciam distanciamento da fisioterapia com o campo da Saúde Coletiva. Tais resultados causam desconforto e impelem à seguinte indagação: como aproximar fisioterapia e os fisioterapeutas de práticas de cuidado e de formação que considerem as demandas sociais e as políticas de saúde? Mais ainda, remetem para a necessidade de rever a concepção de saúde e cuidado, o que implica em uma nova configuração tomando a saúde como um campo que deve ser considerado em sua complexidade e em suas singularidades e, principalmente, que tome as “necessidades de saúde como matéria prima do trabalho em saúde”3, p,23.                 Para trazer ainda maiores deslocamentos, nesta edição há dois artigos instigantes no campo da educação. O relato de uma experiência formadora, a qual, embora encontre muitos obstáculos, apresenta resultados profícuos com a utilização de uma estratégia metodológica que aposta na potência do encontro1, neste caso entre estudantes de todos os semestres do curso de graduação e docentes de distintas áreas da saúde. A estratégia formadora apresentada me remeteu ao encontro intercessor, em que os intercessores constituem-se como interferências, artifícios que instigam a distinção de saberes, que deslocam e desorganizam, desterritorializam, acionam potências e causam movimentos para diferentes e novas descobertas.4 O outro artigo relata o peculiar trajeto da construção das Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Serviço Social no Brasil, cujos atores e relações, com distintas disputas, ultrapassam, os limites acadêmicos, com envolvimento das entidades organizativas da profissão. Trata-se de um importante movimento ético-político de uma categoria na definição dos eixos centrais da formação profissional.            Os Cadernos de Educação, Saúde e Fisioterapia proporcionam um espaço de visibilidade e dizibilidade do conhecimento implicado com a produção de vida. Nessa perspectiva, considerando o delicado momento que vivemos no Brasil, temos o desafio de vencer a apatia e a desesperança, com movimentos de resistência e de reinvenção, articulados, produzindo o inédito viável nos espaços da educação, da saúde, da vida.            Em conclusão, sugiro que a leitura dos artigos que compõem esse número dos Cadernos de Educação, Saúde e Fisioterapia seja a partir da leitura experiência, instigada por Larrosa5. A leitura tendo como foco não o que os autores dizem, com base no que se passa ou dos acontecimentos no contexto dos estudos e experiências, mas, partindo do que os autores nos dizem, possamos pensar e sentir o que nos afeta, nos instiga, nos mobiliza. “Experiência que forma e transforma, e o que ela pode produzir como outro lugar do cuidado em saúde para todos os atores envolvidos no processo”.6, p.15

Referências

Hevelyn RMC, Franco, TB. Tensões no conceito de saúde a partir de Nietzsche - a grande saúde e a produção do cuidado. Saúde em Redes. 2017; 3 (1):63-69

Spinoza. Ética. Belo Horizonte: Autêntica; 2009.

Cecilio LCO, Lacaz FAC. O trabalho em saúde. Rio de Janeiro: Cebes, 2012.

Deleuze G. Conversações. São Paulo: Ed. 34, 1998.

Larross J. Experiência e alteridade em Educação. Revista Educação e Ação Santa Cruz do Sul v. 19, n. 2, p. 04-27, jul./dez. 2011.

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Publicado

25-02-2018